quinta-feira, 6 de março de 2008

Universidade ou Pseudo-Universidade Comunitária? - Parte I

Ivans Berzins

Eu gostaria de iniciar essa reflexão agradecendo o convite para participar desse blog e assim do debate sobre a Universidade Comunitária. Antes de se poder iniciar o debate propriamente dito sobre a Universidade comunitária, é necessário se fazer uma breve analise sobre o papel do ensino nos dias de hoje. Desde os anos 1990, o mundo vem experimentando um processe de transformação nas mais variadas esferas, sendo a lógica do capitalismo financeirizado seu motor, o rápido desenvolvimento tecnológico sua característica, e o pós-modernismo sua lógica cultural. Isso afetou o ensino superior enormemente, a partir do momento que transformou as relações do mundo do trabalho. Mais especificamente, nos últimos anos o ensino superior vem passando por um processo de mercantilização que transforma a forma pela qual a Universidade se relaciona com a sociedade. Assim dois aspectos têm que ser contemplados. O primeiro pelo lado do aluno; o segundo pelo lado da universidade.

Pelo lado do aluno, o primeiro ponto a ser discutido mais profundamente são as mudanças no mundo do trabalho. Com o processo de desenvolvimento tecnológico, há uma intensificação nos ganhos de produtividade em todos os setores, resultando no desaparecimento de postos de trabalho nos setores intensivos de mão-de-obra onde, normalmente, não é necessária uma formação intelectual mais refinada. Isso resulta a) na diminuição no nível de salário real nesses setores e b) no diploma universitário passar a significar a materialização da utopia de um mundo melhor, a partir do momento que se transforma em uma espécie de passaporte para a empregabilidade. Isso altera o perfil do aluno que procura a universidade.

Por mais que exista dentro da retórica da Economia Política crítica a questão da luta de classes, da conscientização da classe trabalhadora como instrumento revolucionário contra o Capital, retórica esta que se propagou para outras disciplinas, esse discurso nos dias de hoje se esvaziou, através da vitória do pós-modernismo e do individualismo. O resultado é que não há mais consciência de classe, pois há uma vasta gama de tecidos sociais se reproduzindo através de paradigmas e relações sociais diferenciadas em um mesmo espaço geográfico. Desta forma, as pessoas não querem se emancipar do Capital, mas simplesmente querem ter a possibilidade de se submeterem. A oferta de trabalhadores passa a ser maior do que a demanda, aumentando o exército de reserva. Isso faz com que as exigências dos empregadores passem a ser cada vez mais complexas e que as pessoas tenham que possuir uma grande capacidade de adaptação: Ensino médio para ser varredor de rua; biólogo para conseguir um emprego de tratador de animais no zoológico (esse caso ocorreu em São Carlos-SP, em um concurso do Horto Florestal). Sem falar nas línguas estrangeiras. O fato é que um grande contingente de pessoas que simplesmente gostariam de realizar o sonho de ter um emprego mediano com uma remuneração digna passa a ter que procurar a universidade para obter o passaporte da empregabilidade. Pessoas que não querem adquirir grandes conhecimentos, mas apenas ter um diploma para garantir uma vida digna.

Pelo lado da universidade, em seu sentido clássico, ela é uma parte essencial da civilização ao determinar o que há de mais avançado em termos de educação ao promover a busca por novos conhecimentos e influenciar os paradigmas de civilidade na vida quotidiana. Em outras palavras, a função da universidade é criar e difundir conhecimento. No primeiro está contemplada a pesquisa e o ensino, no segundo a extensão. Contudo, como conseqüência das mudanças sociais, econômicas e culturais dos últimos tempos, atualmente há, basicamente, dois tipos de universidade: uma que se encaixa no conceito clássico (por exemplo, USP, UNICAMP, UNESP, UFRJ, UFSC, UFRGS, entre outras) e as outras que são pseudo-universidades, pois explicitamente são instituições apenas produzindo mão-de-obra qualificada, muitas vezes, desqualificada. Essas últimas nivelam seu nível para baixo para conseguir alunos e assim poder se financiar, arrepiando a qualidade de ensino, negligenciando a pesquisa e apenas fazendo extensão se há lucro. Usam a retórica da excelência em ensino e pesquisa, pregam a extensão como princípio fundamental mas, na prática, praticam um estelionato social. Que tipo de universidade a Universidade Comunitária deve ser, é uma pergunta muito importante, que o texto do Miranda (abaixo) dá indicativos de possíveis respostas. Voltarei ao tema em breve.

Ivan Bérzin

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