sábado, 1 de março de 2008

O paradoxo cartesiano da Universidade: ensino, pesquisa e extensão. (Parte I)

Vladimir de Carvalho Luz
Professor da Unesc

Dividir para explicar a complexidade. Tomo emprestado essa máxima cartesiana, não para pensar questões estritamente epistemológicas, mas como simples pretexto para provocar um olhar “desconfiado” sobre um tema pontual, especificamente sobre o tão falado e difundido “tripé” indissolúvel das funções universitárias. Sobre essa temática, “lugar-comum”, proponho as seguintes provocações: a questão da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, mesmo tendo sido erigida, no Brasil, ao status de norma constitucional, não se reveste, concretamente, em mero apelo retórico? As práticas majoritárias e reais, na universidade, grosso modo, contemplam essa diretiva da unidade indissolúvel entre ensino, pesquisa e extensão ?

Parece não haver dúvidas de que uma instituição universitária, por força até do prescreve disposição expressa da Constituição vigente (caput do art. 207), deve (atenção: deve) realizar, de maneira indissociável, as atividade de ensino, pesquisa e extensão. Não se trata apenas de uma questão legal, normativa. Parece, também, haver certo consenso (ao menos simbólico) dos experts no mundo acadêmico de que tal indissociabilidade é, em tese, o que qualifica o mandato do ensino superior. O problema está em saber se essa aparente unanimidade acerca da indissociabilidade é, de fato, um elemento real e visível da vida cotidiana das universidades.

Imaginando-se que, de modo geral, o modelo operativo das universidades brasileiras é baseado em currículos fechados, numa lógica disciplinar, na primazia do ensino, bem como em estruturas de gestão compartimentadas, seria, então, possível efetivar, como fato comum, real, visível e paradigmático essa unidade orgânica entre pesquisa, ensino e extensão?

Eis o paradoxo cartesiano da universidade brasileira: por um lado, nasce marcada pelo mandato existencial da indissociablidade de funções, o qual é aceito por muitos, sendo até erigido a norma constitucional. Mas, no campo das práticas efetivas, o princípio ou máxima da indissociabildade se vê refém de uma estrutura universitária que majoritariamente produz ações autônomas, estanques, raramente interligadas, numa lógica do fracionamento do mandato geral da universidade. Para não simplificar ao extremo o tema, seria justo ir muito além, para saber o alcance do sentido do termo “indissociabilidade”: se, por exemplo, existiriam graus de unidade mínima entre ensino, pesquisa e extensão. Aqui, no entanto, trata-se apenas de uma provocação preliminar.

Um alento final: os paradoxos, dizem os sistêmicos e não os cartesianos de carteirinha, não são problemas para vida social. Eles, os paradoxos, constituem a nossa própria condição de existência. Será?

2 comentários:

Carlos Magno disse...

Sabe Vladimir, a tecnologia atual nos impõe uma reflexão semelhante: depois do avanço das aulas tele-presenciais, qual o nosso papel como docentes de ensino superior? Se for para ficar numa abordagem meramente conteudista, melhor para todos, porque mais barato, fazer tudo tele-presencial. Nossa intervenção na graduação só se justifica, na minha opiniao, se, cada vez mais, nossa de trabalho engendrar de forma criativa ensino, pesquisa e extensão.

Carlos Magno disse...

Não querendo abusar, teu "post" me abre mais uma reflexão. A CF enuncia a indissociabilidade e agora o que fazer com ela, não é?
KAFKA já matou a charada no seu pequeno texto, "Diante da Lei": somos o "homem do campo" lidando com o guarda querendo entrar na indissociabilidade. Será que morreremos como ele sem "entrar na Lei"?