sábado, 8 de março de 2008

Universidade Comunitária e gestão democrática – Parte I

Prof. Carlos Magno Spricigo Venerio

Um viés relevante para a análise das potencialidades das universidades comunitárias é a gestão, mormente a verificação de quais os níveis de democratização a que podem ser submetidas estas Instituições.

A pertinência do tema ganha destaque até mesmo pela estipulação normativa, posto que Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação cuidam do tema. Vejamos:

“Art. 206 – O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;” (CRFB/1988)

…“Art. 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.

Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes.” (LDB, Lei 9.394/96)

A LDB evidencia o fato de que o princípio informador da organização chamada Universidade não é o mesmo princípio informador da Democracia, ao dar aos professores setenta por cento dos assentos nos diversos órgãos colegiados de uma instituição. Sobram trinta por cento para alunos e funcionários.

Cada organização social possui um princípio informador, que a diferencia e identifica. De fato, assim como o Exército apresenta a hierarquia como seu princípio basilar, a Universidade como organização nos traz a noção de mérito, onde os membros da comunidade universitária (docentes, discentes e funcionários) desempenham distintas funções dentro da organização. Os professores são os elementos centrais no desenvolvimento das funções básicas de uma universidade: ensino/aprendizagem, pesquisa e extensão.

A Democracia opera com princípios não opostos, mas diversos. Os gregos desenvolveram a democracia como uma forma de organização social onde devem estar presentes a isonomia e a isegoría, respectivamente, igualdade diante da lei e liberdade de poder defender suas idéias no espaço público. Enquanto a democracia opera sob o princípio da autonomia (já que a realidade do poder é inafastável, sou livre quando participo do processo de elaboração das normas a que serei submetido) a universidade opera sob o princípio da meritocracia. Enquanto numa a igualdade é pressuposto, na outra o que se vê é uma diferenciação funcional explícita, onde o papel protagônico na atividade-fim é reservado a um grupo específico, os docentes.

É possível conciliar os dois princípios? É possível aprofundar a experiência democrática na gestão universitária sem ferir o mérito e o que deveria ser a sua conseqüência, a excelência acadêmica? Ao fundo desta questão vemos o velho debate sobre os componentes de uma decisão: técnica (deixemos para os especialistas) ou política? Aqui fico com o velho KELSEN, que travou debate semelhante com os fascistas, quando estes defendiam substituir os parlamentos liberais por colegiados pretensamente técnicos: não existe decisão puramente técnica, há sempre um elemento volitivo (e, portanto valorativo) em cada decisão.

É possível enfrentar este debate de duas formas. Em abstrato, por meio da especulação filosófica, ou analisando experiências existentes de gestão onde se tenha caminhado de forma divergente dos estreitos limites estabelecidos para as IES públicas. Num próximo tópico, pretendo analisar a experiência de duas Universidades Comunitárias de Santa Catarina, onde a escolha de parte dos dirigentes se faz por meio do voto direto e universal.

2 comentários:

Vladimir Luz disse...

Um ponto importante na democracia na Universidade é o voto universal e direto. Diante das particularidades da Universidade, mérito X política, como você avalia estea questão?

Carlos Magno disse...

Caro Vladimir, pretendo discutir este ponto no próximo texto que eu postarei.
Uma idéia básica é que a Universidade combina democracia com aristocracia (sentido etimológico). Um equívoco que vejo nos argumentos contra o voto direto e universal é o mesmo que encontro nos que defendem o voto distrital: é como se as identidades políticas se dessem mais por distrito que por ideologias, "mutatis mutandis" mais por estamento (rs) que por ideologia. É como se alunos formassem uma massa homogênea e os docentes idem. Nada mais longe da realidade.
Aguenta aí!
Abraço!