sexta-feira, 11 de abril de 2008

A Universidade no Século XXI

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos dedica, seguidamente, atenção aos problemas da universidade. Em 2004, esse professor na Universidade de Coimbra dedicou generosa e fecunda reflexão ao tema, agora sob os impactos da globalização. Convidado para participar dos debates sobre a reforma universitária, desfechada pelo governo Lula, suas análises viraram livro: “A universidade no século XXI” (SP, Cortez). É leitura oportuna e necessária, pois estimulante e desafiadora.

Em 1975, após o desabamento da ditadura fascista em Portugal, Boaventura de Sousa Santos publicara “Democratizar a universidade”. Trazia instigante análise dos malefícios que a instituição deveria exorcizar para assumir autênticas feições sociais, participando da fase institucional e política inaugurada no país. Extirpação do autoritarismo, da inércia econômica e do atraso cultural, reinante mesmo entre dirigentes universitários, e exercício da criatividade, da reflexão, do estudo dos problemas, novos e antigos, locais e mundiais.

Para entrar em sintonia com os anseios de uma sociedade carente e ávida por mudanças, a universidade portuguesa deveria promover a reforma e a autodepuração. Rever métodos de gestão administrativa e de ensino, promover o debate intelectual, a liberdade de cátedra e do pensamento crítico, a valorização do trabalho docente e das expectativas dos estudantes, para a consecução dos fins maiores da universidade. Afastar obstáculos que moldaram a universidade sob o obscurantismo, o mandonismo, a mediocridade e a burocratização, aportadas pelo regime ditatorial. Este vinco nefasto não deveria sobreviver sob o risco de perpetuar a hostilidade aos preceitos de uma sociedade democrática, do interesse público das ciências, da disseminação das liberdades historicamente sufocadas e do socialismo.

No século XXI, as dificuldades foram agravadas. A reforma universitária deve apontar para a democracia e a emancipação humana, anteparos à onda de devastação social erguida pelos ventos do neoliberalismo, do desemprego, da guerra, das múltiplas formas de discriminação e do livre comércio. A mercantilização do ensino constitui o mais feroz ataque aos campi universitários. A sangria de recursos da sociedade via mensalidade, subsídio do Estado e salários baixos, fornece a chave da universidade projetada pela e para a era neoliberal. Quanto maior “acesso”, maior a possibilidade dos lucros. Uma espécie de “abre-te sésamo!”.

Na contramão do neoliberalismo, maior aproximação entre universidade e escolas públicas, questionamento do mundo em constituição e interrogação sobre o futuro, mais porosidade para as necessidades sociais. Nova “centralidade às atividades de extensão” universitária, na busca de outras formas de globalização, sem exclusão social e degradação ambiental, e maior participação dos oprimidos. A reorientação da pesquisa, em direção às comunidades marginalizadas e aos problemas estruturais do país. Ações que conferem forte legitimidade social à universidade e capacidade para sobreviver ao surto de acumulação de capital nutrido pela comercialização da educação, da ciência e da cultura.

No Brasil, o salto terá que ser maior. Sequer foi rompida a situação herdada do regime militar, entranhada em mentes, instâncias e instituições das nossas universidades. Situação diagnosticada, já em 1981, pelo sociólogo Florestan Fernandes, onde “no terreno prático, nem sequer a carreira está prevalecendo, são interesses mesquinhos, de dominação, de destruição dos outros”, pois gerações formadas sob ditadura, muitas vezes, operam com métodos daquela. Imersa em condutas corporativas e ações autodestrutivas, a universidade volta suas costas para a realidade que a cerca e ao futuro que deveria projetar e construir.

A renovação da cultura universitária demandará redobrada energia e requer opções. É possível, e necessário, abrir perspectivas novas, enlaçar as universidades e seus recursos humanos mais grandiosos na cooperação intelectual e na solidariedade social. Desenhar um país e um mundo mais igualitário e justo, fazendo frente a comportamentos e a políticas hostis à cidadania, à felicidade e à integridade individual e coletiva. O professor Boaventura de Sousa Santos indica uma universidade que o século XXI deseja e merece.

Paulo Henrique Martinez
Professor e coordenador do Laboratório de História e Meio Ambiente no Departamento de História da UNESP/Assis (labhima@uol.com.br).