quarta-feira, 9 de abril de 2008

UM NOVO MODELO DE UNIVERSIDADE, UMA NOVA CULTURA POLÍTICA (Diálogo 1)

Tendo em vista uma contribuição para o aprofundamento do conceito de Universidade Comunitária, convido o leitor a viajar pelo tempo da História com o objetivo de estabelecer breves diálogos com autores e obras de épocas distintas. Como metodologia de reflexão, proponho-me a estabelecer um diálogo aberto com alguns dos clássicos do pensamento filosófico e político da cultura ocidental, restringindo a discussão em relação ao tema proposto (Cultura Política). Isso significa que será sempre um diálogo parcial, ou seja, um diálogo centrado em algumas das visões e idéias dos autores selecionados. Também não tenho a preocupação de assinalar algo novo em relação aos pensadores escolhidos, uma vez que não é esta a finalidade deste espaço de discussão.

Por se tratar de cultura política, inicio a discussão sobre uma das obras mais polêmicas da história do pensamento ocidental moderno: O Príncipe (1513). Maquiavel escreveu uma obra de “realismo político”; uma filosofia sobre a natureza humana, atitudes e posturas diante do jogo do poder, sobre a relação entre governante e povo.

Diferentemente de outros pensadores, Maquiavel não se propõe a pensar uma utopia. Ao contrário, se preocupa em explicitar sua visão sobre o “jogo do poder” tal como ele é, ou melhor, como ele o percebe. Seu objetivo é ensinar lições ao príncipe ou ao monarca, a arte de governar e se manter no poder. Para se manter no poder ou alcançá-lo, o príncipe sábio deve se mostrar um profundo conhecedor da realidade e da natureza humana.

Nos seus ensinamentos, Maquiavel ensina ao príncipe o que deve fazer para evitar ser odiado ou desprezado, pois isto certamente resultaria em sua ruína; destaca que “os homens costumam ser ingratos, volúveis, dissimulados, covardes e ambiciosos de dinheiro”; enquanto possuem privilégios demonstram certa lealdade, mas quando a relação é baseada em interesses mesquinhos não se pode contar com esse tipo de amigo nos momentos mais importantes. Numa época em que as cortes européias estavam repletas de “aduladores”, Maquiavel aconselha ao príncipe que uma das formas de se proteger dos aduladores era demonstrar respeito aos homens que lhe falavam a verdade, ou seja, o monarca deveria assegurar a liberdade de expressão ou de opinião aos seus ministros, ouvindo-lhes e decidindo conforme seu julgamento.

Apesar de oferecer seus ensinamentos aos governantes, aos poderosos, Maquiavel revela uma concepção de poder em que o povo aparece como ator social difícil de conquistar. O “poder” é uma força que se estabelece na relação entre governante e povo. À medida que se preocupa em ensinar ao príncipe atitudes e formas para conquistar e controlar o povo, ressaltando as dificuldades e os riscos da relação, Maquiavel mostra também a força do povo, que tem o poder de destituir o soberano quando este comete erros decorrentes de sua arrogância, imprudência ou ignorância. Nesta perspectiva, percebe-se que o povo também pode conquistar o poder.

Escrito no contexto da Itália do Renascimento, O Príncipe é considerado uma das obras que representa de forma singular o espírito renascentista. Tal como os humanistas de sua época, Maquiavel se distancia do pensamento teológico e centra seus estudos sobre a natureza humana, as virtudes e fraquezas do homem. O homem virtuoso não é mais aquele que cumpre os desígnio de Deus ou simplesmente segue os preceitos da vida religiosa ou espera as coisas acontecerem. Ao contrário, ele toma iniciativa, conhece a realidade, percebe a proximidade do mal ou da crise antes que ela se alastre, e age rapidamente cortando a mal pela raiz. A virtude é atribuída ao governante sábio, aquele que demonstra competência, que não se deixa ludibriar facilmente, que não se desespera perante uma crise e que acredita na sua própria força e capacidade; e que também tem consciência de que a sua permanência ou não no poder depende da relação que se estabelece com o povo.

Eis o primeiro diálogo. O próximo será um clássico da Inglaterra, contemporâneo de Maquiavel.

Carlos Renato Carola – 02/04/2008
E-mail: karlos.renato@yahoo.com.br